sexta-feira, outubro 22, 2004

os diários do burro

tenho uma certa mania para pensar sobre o tempo. não se faz frio sou se faz calor, mas sobre o tempo cronológico. quando cheguei à fase das crises existenciais - que não foi assim há tanto tempo e que pensando bem acho que ainda continua no auge - a frase que mais passei a ouvir foi "com o tempo isso passa". ninguém gosta de ouvir isto. eu pelo menos não gosto. enerva-me. tenho pressa, quero que passe já a inquietação, como as taquicardias estão a passar. há muita coisa que passa com o tempo, é um facto, e eu gosto de ver sempre isso pelo lado positivo. acordar um dia, depois de meses de "luta", e reparar que já há mais de 48 horas não pensamos em quem não queríamos pensar; ou darmo-nos conta que já não passamos tardes a olhar para o telemóvel (isto para mim é degradante!) à espera de uma chamada que afinal nunca chegou a ser feita, ou então chegou mas foi tarde demais. perceber que já conseguimos relativizar a importância de coisas que em tempos nos tiraram o sono noites a fio ou de pessoas que não interessam nem ao menino jesus. é um alívio e uma calma inexplicáveis. é o tempo.

mas há coisas que eu acredito que não passam com o tempo. numa visão muito redutora acredito que há pessoas e pessoas. as primeiras sentem e vivem tudo muito à flor da pele e por isso deixam-se tocar mais pelo que têm à volta, são mais sensíveis e vivem menos resguardadas emocionalmente. ou seja, ora estão muito bem ora estão muito mal, e tudo muda sem aviso prévio, de uma hora para outra e sem razão aparente. o pior de tudo é que não sabem lidar com a injustiça alheia. levam os problemas dos outros para casa, pensam, interferem, envolvem-se, sofrem, lutam, morrem se for preciso, porque o ideal é intrínseco. a justiça. para o que der e vier. a partilha.

as segundas.... basicamente sofrem menos. sabem/conseguem manter-se à distância, não dão confiança, talvez por não serem elas próprias de confiança e terem noção disso. têm atitudes frias e distantes, dizem não com toda a facilidade (é uma coisa que ando a treinar.....) e com os problemas dos outros podem elas bem e para o lado que dormem melhor.

o ideal seria conseguir um meio termo. nada de novo. apesar de ter escrito este parágrafo anterior com uma intenção "negativa" acho muito positivo uma pessoa conseguir manter um certo distanciamento das coisas porque facilita tudo. vivemos mais tempo, that's for sure, e eu sinceramente estou farta de ouvir que por este andar não chego aos quarenta, o que não pode ser bom sinal lol. há dias em que acho que a minha vocação não tem nada a ver com o caminho que quis seguir. no nono ano, na altura dos testes psicotécnicos, em que a única coisa que eu sabia que gostava era de escrever, uma professora que tentava adivinhar os nossos interesses futuros só para gastar tempo da aula, quando chegou à minha vez disse de rajada e com o ar mais confiante do mundo - assistente social. como disse? respondi apenas que gostava de escrever e de música e nunca mais pensei no assunto. até há bem pouco tempo. se calhar fiz mal, não sei, porque há dias em que vejo tudo tão claro..... mas lá está, há o problema de ainda não ter conseguido encontrar o equilíbrio entre aqueles dois tipos de pessoas. nesta altura do campeonato ainda não tenho o mínimo de estofo emocional para poder ajudar quem quer que seja, sem me deixar consumir vorazmente pelo problema. ou seja, sairia pior a emenda que o soneto. para além de não ajudar ainda acabava por atrapalhar. talvez com o tempo.... por agora vou escrevendo para burro e ouvindo música.

mas o que me assusta é que nos últimos tempos tenho pensado no assunto com mais frequência do que a que eu queria........ muito mais.


ps - vi ontem os diários de che guevara.

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