o dia começa cedo, ainda de noite. três dias depois, a
bobina já não dá mostras da confusão com a mudança da hora. hoje sou eu que
acordo primeiro. ela só se dirige para o meu braço, onde apoia a cabeça todas
as manhãs para as devidas festas, depois de me ouvir espreguiçar. mal dou ordem
para levantar, a bobina sai disparada como um foguete em direção ao quintal.
sabe que é para lá que vai ver se está tudo como deixou na noite anterior,
antes do merecido pequeno almoço. já de barriga cheia, é na cama dela que se
deita para mais uma curta sesta, enquanto tomo banho. não é quando fecho a água
ou saio da banheira, que a bobina decide juntar-se a mim na casa de banho. o
sinal de partida é dado quando me ouve escovar os dentes. aí sim, ela tem a
certeza de que há vida lá em casa e que provavelmente se adivinha uma saída.
quando passo ao quarto para me vestir, a bobina regressa à cama dela. observa
tudo com atenção até ao momento em que calço o primeiro sapato. nesse instante
troca a cama dela pela minha e salta em direção à minha cara com uma lambidela
pronta a sair. não restam dúvidas de que vamos sair. assim acontece.
já na rua, já de dia, são sete da manhã, vê do outro lado da
estrada duas senhores grisalhas encasacadas e de chapéu de chuva na mão. não
lhe ligam, não a veem. como quem não quer a coisa, a bobina atravessa a estrada
disparada na direção das vizinhas. ladra como um pastor alemão enquanto correr,
e cala-se quando chega ao pé delas. ofendida por ter sido negligenciada, a
bobina pede desculpa com lambidelas quando se aproximam e lhe estendem a mão em
jeito de festas. as ditas senhoras tomam o pequeno almoço todos os dias à mesma
hora na mesma pastelaria. ficam à janela, sempre na mesma mesa. a bobina
reconhece-as à distância. passa por elas todas as manhãs e vê-as cá de fora
junto ao vidro. nunca tinham trocado impressões, mas ficaram amigas para a
vida. mais duas cabeças grisalhas que a bobina irá procurar diariamente durante
os passeios pelas ruas de benfica.
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